Lenda do folclore gaúcho
Recontada por Maria Fernanda Campos
Há muito tempo atrás, houve um local onde a terra estava seca e a caça acabando. O cacique da tribo dos guaranis que vivia por ali decidiu que era tempo de partir em busca de novas terras. E começou a conduzir seu povo.
Mas, um velho índio da tribo, que estava muito fraco e debilitado, sabia que não conseguiria acompanhar seus irmãos, e decidiu que ficaria ali mesmo, naquela coxilha, guardando suas lembranças e aguardando a sua hora.
Yari, sua filha mais jovem, não queria abandonar seu pai. Não se sentiria feliz em seguir com seu povo, deixando-o para trás. Ele tentou argumentar, mas a moça estava resolvida a ficar e cuidar de seu pai.
Despediram-se dos outros. O velho andava com muita dificuldade, apoiado numa bengala. A filha não parava o dia todo: plantava, colhia, cozinhava, mantinha a cabana em ordem e seu pai sentia-se mal em não fazer nada. Lentamente, colhia algumas frutas ou trazia um pouco de lenha para casa.
Com a partida do povo, o mato cresceu mais e as noites eram cheias de medo, pois agora as onças se aproximavam mais e mais. E com a chegada do inverno rigoroso, era ainda mais difícil para comerem e manterem-se aquecidos.
Certo dia, o pai afastou-se de casa para colher frutas. Ouviu o barulho de umas folhagens se mexendo e se assustou. Paralisado, esperou a fera sair do esconderijo e atacá-lo. Porém, para sua surpresa, dali detrás saiu um homem jovem, alto, louro e com os olhos muito azuis. Na hora, o velho índio soube que o moço não era dali.
– Meu senhor, venho de longe. O senhor tem algo para me dar de comer ou de beber? Estou faminto e muito cansado! – disse o jovem.
O velho o conduziu até sua casa. Chegando lá, orientou sua filha:
– Este homem está cansado e com fome. Por favor, cuide para que nada lhe falte.
Ela fez como seu pai pediu. Enquanto isso, o velho senhor contava as histórias do povo guarani para o forasteiro, que ouvia com entusiasmo. Depois de ouvir histórias e canções daquela gente tão boa, o viajante foi se deitar.
Ao acordarem no outro dia, perceberam que o moço não estava lá. Ele tinha ido colher frutos e lenha para a fogueira. Voltou no final do dia, com várias caças. O velho ficou surpreso:
– Muito obrigado! – disse ele.
– Vocês merecem isso e muito mais! Deram-me descanso e alimento sem nem me conhecer! Foram bondosos e hospitaleiros!
Os dois conversaram por longo tempo, enquanto Yari preparava o jantar. O forasteiro revelou que era um enviado de Tupã, e que este estava preocupado com a sorte daquela pequena família.
– Diga-me, velho senhor, o que gostaria de ter? Como posso lhe ajudar?
– Minha filha não acompanha nosso povo porque quer cuidar de mim. Eu gostaria de ter um amigo que me fizesse companhia, me ajudasse a passar o tempo e me desse mais forças, para que eu pudesse ficar sozinho.
– Pois está feito! Vou lhe trazer exatamente o que precisas!
O homem foi à mata e voltou trazendo um galho da árvore Caá. Era verde e muito perfumado.
– Plante e deixe crescer. Depois, tire outras mudas e vá plantando e replantando esse arbusto, para que se multiplique. Essa erva dá um excelente chá. Vamos, vou lhe ensinar como fazer!
O enviado de Tupã preparou a infusão numa cabaça, colocou um canudo de taquara e ensinou o velho a sorver.
– Está aí o amigo que querias! Suas forças voltarão e você poderá caçar e trabalhar novamente! E você, Yari, por ser tão boa filha, merece uma recompensa especial: vou transformá-la na protetora dessa erva. Serás Caá-Yari, a deusa da erva-mate, e cuidarás para que esta nunca falte!
Yari dedicou-se ao plantio da erva. Em pouco tempo, havia muitos arbustos crescidos. O pai conseguiu ajudá-la no plantio e nunca mais eles passaram qualquer tipo de dificuldade ou privação.
Quando passavam por ali, Yari e seu pai recebiam os viajantes, davam-lhes comida, repouso e o chá da erva. No final da estadia, presenteavam-nos com mudas para serem espalhadas e replantadas. E, graças a eles, até hoje, toma-se muito mate em toda a região Sul do Brasil.
Lenda do folclore gaúcho recontada por Maria Fernanda Campos, educadora e contadora de histórias do Projeto Educando, realizado pelo Instituto Purunã.