A quem passa volta e meia pela Rua Dinarte Garrett, a principal do Distrito de São Luiz do Purunã, em Balsa Nova (PR), faço o convite para dar meia volta no tempo. Imaginemos: foi há 140 anos! O “chegue” que o pessoal da vila costuma pronunciar para toda visita bem vinda, se dirigia naquele 25 de maio de 1880 a ninguém menos que D. Pedro II e sua comitiva.

Não pense nas construções como você as vê atualmente. Imagine, por exemplo, a Casa da Estrela, que é provavelmente a mais antiga delas ainda de pé, tudo muito bem conservado, cheirando a madeira das boas na mobília arranjada para se deitar o cansaço dos corpos chacoalhados pelas carroças.

Pense numa tal de família Boutin, que tinha na vila um hotel dos mais ajeitados, cujo nome varia nos registros: “Boutin”, “São Luiz” e até “Butim”. Não era lugar pra tropeiro comum, daquele que passava fome e às vezes se obrigava a charquear a carne de gado já morto, que achava pelo caminho. Ali – assim o jovem Tiago Kupka ouviu contar por seus ascendentes –  “era pousada tipo cinco estrelas”, onde se matava o boi para o trato dos hóspedes a carne fresca.

A majestade – que havia desembarcado em Paranaguá e passado já por Curitiba e Campo Largo, além das cidades litorâneas, não chegou a ficar em São Luiz do Purunã mais que algumas horas, o que é lamentável.  Ficasse uns pares de noites e possivelmente D. Pedro II teria encontrado entre as vinte ou trinta casas que se estendiam pela estrada, alguma dama com que se encantar ou quem sabe decidido fundar na vila um teatro, um jardim botânico, ou… uma biblioteca.

Dom Pedro II e a família real: viagens cansativas pelo Paraná| Fonte: Gazeta do Povo

Não é que os historiadores gostem tanto de uma boa prosa quanto o povo dos pequenos vilarejos, mas dizem eles – e publicam em letras grandes – que, tal como o pai, D. Pedro I, o II não dispensava rabo de saia. Parece que o Imperador visitante, num grau mais brando que o pai, tinha lá seus encontros furtivos entre os livros da biblioteca que – por mais de um motivo – frequentava assiduamente.

Tinham pai e filho, uma fama tal, que o próprio senhor João do Pito, jardineiro do Alto Purunã também conhecido – segundo ele próprio – como “João das Moças” teria certamente perdido o título antes mesmo de ter nascido. Imagine o quanto seria divertido aos turistas, saber que o Imperador teria saído do Purunã apelidado de “Pedro das Moças”. Mas não ficou tempo suficiente para nos presentear com uma história de romance ou sedução.

Antes que digam que estou “cozinhando” o assunto principal e conduzindo meu gado por caminhos que não levam ao destino – o almoço do Imperador – preciso esclarecer que sim, as palavras são como os bois, se a gente não conduz direitinho, elas se desviam da trilha e podem ir para o brejo. Digo, porém, e faço gosto de acreditar, que o Imperador ficou, sim, tempo suficiente para o almoço em São Luiz do Purunã. Mas o leitor precisa dar-me um desconto já que escrevo sobre esse momento da viagem a respeito do qual quase nada se sabe.

Sabe-se que o D. Pedro II perdeu a mãe com um ano de idade e aos cinco viu seu pai abdicar e partir para a Europa, depois de ter sido acusado de favorecer os interesses de Portugal em detrimento dos brasileiros; sabe-se que em vez da proximidade que toda criança de cinco anos espera do pai, recebeu dele o título de príncipe regente e a responsabilidade sobre o futuro deste país imenso. Seu tutor José Bonifácio o fez estudar equitação, caligrafia, literatura, matemática, geografia, ciências naturais, pintura, piano e música, esgrima, latim, francês, inglês e alemão. Ufa!

Sabe-se, ainda, que D. Pedro II apreciava a liberdade e não apenas a de amar. Para agradá-lo, em sua passagem pelo Paraná, um senhor libertou um escravo e uma senhora, outros três (Ah, quem me der colher a história dessas quatro liberdades!).  

Diz-se que aos 15 anos, o menino Pedro foi proclamado maior e coroado imperador, dedicando seus anos de juventude ao governo do Brasil e aos estudos que o preparasse para isso. Sim, leitor, dizem que houve um tempo em que um governante se preparava para governar!


Sabe-se que D. Pedro II foi sempre fiel à Constituição. E foi banido do Brasil pela Proclamação da República, saindo sem resistência em direção à França, onde perdeu a esposa no mesmo mês. Morreu num hotel parisiense, tão sozinho quanto no começo de sua vida.

Sabe-se, com certeza, seu longo nome – Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bebiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança – digno de competição: “um marchador pra quem disser o nome inteiro do Imperador!”.

Conta-se que após a fatal pneumonia, ainda viajava… Seu corpo morto foi da França a Portugal e de Portugal ao Brasil, tendo Petrópolis (RJ) como última parada, depois que reconheceram esse carioca da Boa Vista como “o maior dos brasileiros”.

Também não é segredo que o Imperador elogiou as estradas e duvidou da durabilidade da Ponte dos Papagaios. E que andava de prosa com gente que hoje conhecemos por nome de rua, como o Conselheiro Jesuíno Marcondes, o tal que hospedou a majestade em Palmeira. Lá foi o Imperador para justamente dar uma olhada nas terras que esse Marcondes havia vendido ao governo imperial para colonização russa e que, por não serem próprias para agricultura, tinham sido abandonadas pelos iludidos imigrantes. Repare que a visita do Imperador nos serve também para lembrar que a “maracutaia” envolvendo a cobiça privada pelo dinheiro público já existia no tempo do Império.

Sabe-se até que a real esposa, Teresa Cristina, a de Bourbon, era muito companheira, discreta e manca – o que nos ajuda a imaginar a Imperatriz circulando entre a carruagem e o piso de madeira antiga, infelizmente não conservado, da casa centenária que os recebeu.  

Contudo, ninguém sabe, pelos Campos Gerais, grandes coisas sobre o almoço  do Imperador no Purunã – exceto que foi pelo meio da manhã, pois esse era o costume. Mas aí está um caso raro em que podemos dizer que a “ignorância” pode ser produtiva. Pois não são nos espaços vazios de informação os que melhor preenchemos com fantasia e imaginação? E ao contrário das “fake news” de teor político e social, que apitam sobre a vida de todos e embrulham os estômagos dos bem informados, não faria mal a ninguém – e até poderia virar tema de concurso – fantasiar à vontade sobre esse almoço, imaginando, ou mesmo inventando, o que teria deliciado o Imperador.

Já que – agora sim – estamos a falar disso, tomei a liberdade de entrevistar nativos, e também gente que escolheu São Luiz do Purunã para viver, sobre o cardápio imaginário do Imperador. Começando por quem provocou esta pauta, o premiado iluminador de teatro, Beto Bruel – dos Bruel do Tamanduá. “Meu avô, Augusto Bruel, disse que o Imperador comeu costela de chão com pinhão”, falou em tom solene, fazendo-me rir ao detalhar a imagem nada “light” dos pinhões se lambuzando na gordura da costela. O pesquisador, Carlos Solera, sem consultar os diários de Dom Pedro II, supõe que foi feito um churrasco na Ponte dos Papagaios. “Costela em Fogo de Chão”, ratifica o empreendedor Márcio Vecchi, dono do Hotel Fazenda Cainã, sem acrescentar ingredientes.   

Também lança luz sobre a imaginação relacionada ao lendário almoço, a dona de casa Cleide Bertoja Kusiak: “serviria feijoada, leitão a pururuca e arroz a carreteiro”. Já o líder comunitário Murilo Zanello Milleo, serviria uma simples canja de galinha, baseado em registro de que esse prato fazia parte das preferências do Imperador. Que fosse, então, sem o peito! Porque com o peito da galinha a cozinheira Nelsi da Piedade, mais conhecida no vilarejo como “Preta”, arrancaria elogios do Imperador sobre seu famoso empadão. 

A dona da Varshana Boutique Hotel, Arlete Santos, entrou na brincadeira supondo que o Imperador foi servido com arroz, feijão, couve, farofa e bisteca. Mas fosse ela a responsável pelo cardápio, a imaginária mesa da majestade teria, é claro, uma das especialidades do seu restaurante: “Ossobuco com couscous”.

Com esse nível de concorrência, eu não me arriscaria a oferecer nenhum quitute ao real estômago de Dom Pedro II, uma vez que quem prova o que eu preparo às vezes cai do cavalo.

Meu desejo mesmo seria “cozinhar” mais umas histórias, dessas que correm pelas bocas dos antigos, enquanto eles estão por aqui, ou mesmo dos que já se foram, e vê-las em livro ou encenada pelos nativos na Casa da Estrela transformada em Centro Cultural – o tipo de coisa que certamente o Imperador apreciaria tanto quanto um bom almoço.  

Isso é, obviamente, só um desejo, como os de tantos de nós que circulamos nossos sonhos pelos ventos desses Campos Gerais. Os desejos, entretanto, assim como a imaginação, as capacidades e a criatividade, se iniciam como o trote de um cavalo… Se você não atiça não vai galopar! E você, leitor, o que serviria ao Imperador?

* Deixe seu comentário abaixo sobre o que você serviria ao Imperador!


 Joanita Ramos é jornalista, escritora, artista e mestre em Educação (UFPR). Integrante da Rede Jornalista Amigo da Criança (Andi/Abrinq/Unicef) e proprietária de chácaras em São Luiz do Purunã e São Caetano. Colaboraram na pesquisa para este texto: Beto Bruel e Carlos Solera.