Quando pensamos em contação de histórias, muitas vezes temos ideia de que é um bom entretenimento para as crianças, porque ajuda a ensinar conceitos e, ao mesmo tempo, elas se divertem. Correto? Sim, mas isso é uma visão bastante superficial e incompleta desta arte tão antiga (e tão atual) que é o contar histórias.

O ato da narrativa é tão imemorial quanto a própria humanidade. Desde que haja possibilidade de comunicar-se, o ser humano está lá contando sobre sua vida, sua rotina, seus feitos, tentando explicar o mundo, tentando se entender e ensinar algo aos seus descendentes.

Você consegue lembrar de algum bom contador de histórias que já tenha passado por sua vida?

É muito comum lembrarmos daquela velha avó ao pé da lareira contando histórias para seus netos (ou vizinhos, ou toda a família? Lembra da Dona Benta reunindo todo o povo do Sítio do Pica-pau Amarelo para ler livros de aventuras emocionantes?) ou mesmo do avô que levava a criançada para o pomar e ia descascando laranjas e contando sobre seus antepassados, e sobre como aprendeu a descascar laranjas com seu próprio avô… Ou será que você pensou numa noite escura, de temporal, onde os mais velhos contavam causos assustadores para os mais novos tremerem de medo? Ou, talvez, tenha lhe vindo à mente um sábio pajé de alguma tribo, que busca em seus conhecimentos meios de aliviar a dor e a angústia de seu povo?

O ser humano ama histórias. Contos, lendas, histórias de família, fofocas, livros, filmes, redes sociais… Tudo isso é história! Estamos sempre contando e ouvindo histórias de todos os tipos. As histórias funcionam como um alimento para nossa alma. São capazes de nutrir, encantar e despertar até mudanças de comportamento, tanto em quem ouve quanto em quem conta!

Todos somos, em certa medida, contadores de histórias. Mas por que será que hoje a contação é deixada para os profissionais, para os atores, para quem tem o dom, e ainda, apenas para as crianças?

Um do possíveis motivos para isso é o advento do rádio e da televisão – e, posteriormente, da TV a cabo, da internet, e das atualíssimas plataformas de streaming, como Netflix. Antigamente – desde sempre, na verdade – as famílias/clãs se reuniam em torno dos mais velhos para ouvir as histórias de seu povo, da criação do mundo, dos mistérios da vida e até mesmo da literatura. Quando apareceram as radionovelas, as famílias continuaram se reunindo em torno do aparelho de rádio, porém, com uma diferença básica: não existia alguém contando ativamente, mas várias pessoas desfrutando passivamente das histórias e aventuras. Com a chegada da TV, ocorreu o mesmo, e ainda sob o fascínio das imagens na telinha. E hoje, com as plataformas de streaming, cada um tem a oportunidade de salvar sua própria lista de programas favoritos e assistir em seu celular ou tablet, enquanto outro membro da família está em outro cômodo da casa, aproveitando as suas escolhas pessoais. E sempre passivamente, absorvendo os filmes, desenhos e séries, cada vez mais bem produzidos e encantadores.

E aí você pode me perguntar: mas, Maria Fernanda, então, com tantas histórias diferentes, para todos os gostos, porque contar histórias? Contar sem recursos cinematográficos, sem efeitos especiais, apenas se utilizando da ARTE DA NARRATIVA?

Tenho muitos motivos para te convencer disso, mas, o principal deles é: nada, absolutamente nada substitui a interação humana. Sim, essa interação verdadeira entre duas ou mais pessoas, olho no olho, calor humano, colo (quando falamos em crianças, especialmente), risadas, medo compartilhado, timing perfeito… Isso tudo só acontece ao vivo.

Além disso e considerando sempre essa interação de que falei, o ser humano pode ser analisado sob 5 aspectos:

E para cada um desses aspectos, as histórias trazem diversos benefícios. Citarei apenas alguns, para ilustrar:

Esse é o aspecto com o qual normalmente se tem mais familiaridade. Despertar a imaginação e a criatividade, aprender palavras novas, aumentando o vocabulário, formar leitores, despertando o gosto pelos livros, melhorar a comunicação oral e escrita são motivos suficientes para contarmos muitas histórias, não é mesmo? Autores como Ilan Brenman e Celso Sisto se debruçaram sobre esse assunto e, se você desejar saber mais, no final do texto, você encontrará essas referências para estudo e pesquisa. Essas razões, ou ainda “objetivos”, são muitas vezes trazidas à tona nas escolas, pensando a contação para crianças. Mas temos outros motivos igualmente importantes que podemos justificar a contação de histórias para pessoas de qualquer idade.

As histórias evocam sensações físicas de divertimento, de prazer, de angústia, de medo… Podem provocar lágrimas, gargalhadas, palpitações, e relaxamento total até o adormecimento. Quantos de nós já não riram até a barriga doer com um bom causo ou relaxaram tão profundamente que nem ouviram o final da história? A contadora de histórias Nancy Mellon também nos surpreende trazendo estudos que falam sobre cura do corpo físico (dores, doenças, inflamações…) utilizando as histórias como parte do processo terapêutico. Se quiser saber mais sobre esse assunto, está no livro Corpo em Equilíbrio. Ela conta dos traumas e emoções negativas que, de forma psicossomática, desenvolvem disfunções em nosso organismo e como cada órgão pode ser estimulado para a cura com tipos específicos de histórias.

Se você se interessa por psicologia, aqui estão seus motivos: por meio das histórias, conseguimos falar sobre assuntos delicados e sobre as mais diferentes questões da vida, que fazem parte da alma humana e dizem respeito a todos nós. Amor, morte, relacionamentos amorosos, relação pais e filhos, busca de sentido para a vida, escolhas e consequências, fome, pobreza e riqueza… E ainda tem a parte de falar, nomear, vivenciar e buscar entender os sentimentos e emoções: alegria, tristeza, inveja, ódio, rancor, empatia, generosidade, medo, coragem, entre tantos outros. Os psicanalistas e psicólogos defendem o uso das histórias para que possamos nomear tudo isso. Colocando palavras, as angústias diminuem. Dando nome aos monstros, é possível combatê-los. Se desejar ler mais sobre o assunto, os psicanalistas Ivan Capelatto (que trata muito sobre o processo da educação de filhos) e Eliana Louvison explicam muito bem sobre esse processo. O autor Ilan Brenman também pesquisou sobre esses efeitos emocionais e tem rico conteúdo a nos apresentar. Vale a leitura.

Aqui não estamos falando de uma religião específica, mas do sentimento de religiosidade, daquilo que nos liga a algo superior e nos faz querermos ser melhores. As histórias ajudam a despertar nossa consciência, nos inspirando e incentivando ao autoconhecimento e à melhora de nossas atitudes. Existem relatos incríveis de projetos de contação de histórias (em creches, escolas, abrigos, educandários como a Febem etc) onde o objetivo principal era sensibilizar pessoas com comportamentos inadequados e desafiadores socialmente e com o trabalho constante de cuidadores e professores que lhes contavam muitas e muitas histórias (escolhidas a dedo, intencionalmente), houve sensível transformação das ações dos envolvidos. Um desses relatos está no livro Conte outra vez, da psicanalista e contadora de histórias Eliana Louvison.

Os outros quatro aspectos falavam sobre as histórias para o ser humano em sua individualidade. Mas o aspecto social traz à tona a relação com o outro. E, nesse sentido, as histórias também contribuem muito. Elas ajudam a conhecer a cultura, não só de maneira geral, falando de todo ser humano, nem apenas de conhecer outras culturas por meio das histórias de outros povos, mas da cultura local, de sua comunidade, de sua família, de sua ancestralidade, do lugar em que se vive. As histórias então trazem um sentido de pertencimento, de fazer parte de algo em que se está inserido e para o qual se deve contribuir. Por meio de contos, vamos conhecendo as normas de conduta, a ética nas relações e fortalecemos o vínculo entre contador e ouvintes, sejam pai e filho, professor e aluno, patrão e empregado… Sim, as histórias podem ajudar no ambiente profissional, quebrando o gelo num primeiro contato, exemplificando ações esperadas, servindo como estudo de caso, motivando para o trabalho, enfim, inúmeras situações.

Por último, mas não menos importante, contar histórias aproxima as pessoas, cria vínculos, fortalece laços, é uma forma de demonstrar carinho e preocupação e – sejamos sinceros – quem é que não gosta de se sentir amado? Opções não nos faltam! Contos de fadas, lendas, fábulas, literatura brasileira e estrangeira, causos, contos populares, histórias de família e até mesmo piadas!!

Você já tinha pensado nisso? Então, está esperando o quê para começar? Conte ainda hoje uma história para alguém importante para você! Você não vai se arrepender dessa experiência rica e gostosa!

Quer saber mais sobre a Oficina de Narrativas, que é ministrada pela Maria Fernanda, no Projeto Educando? Clique aqui. Gostou? Compartilhe com a gente nos nossos comentários! 😀


Artigo escrito por Maria Fernanda Campos, educadora e contadora de histórias do Projeto Educando, realizado pelo Instituto Purunã.

REFERÊNCIAS

BRENMAN, Ilan. A condenação de Emília: O politicamente correto na literatura infantil. Belo Horizonte: Aletria, 2012.

BRENMAN, Ilan; PONDÉ, Luiz F. Quem tem medo do lobo mau? O impacto do politicamente correto na formação das crianças. Campinas: Papirus 7 mares, 2019.

CAPELATTO, Ivan; MOISÉS, David; MINATTI, Angela. Prepare as crianças para o mundo. São Paulo:Editora dos Autores, 2006.

LOUVISON, Eliana. Conte outra vez: Histórias infantis para a formação das crianças. Londrina: Kabila, 2010. (Prefácio de Ivan Capelatto)

MELLON, Nancy. Corpo em equilíbrio: o poder do mito e das histórias para despertar e curar as energias físicas e espirituais. São Paulo: Cultrix, 2009.